Despedir-se e Prosseguir
Relato baseado no diário de Maria Dobozy
Antes que alguém
comece a ler este livro, eu gostaria de dar uma explicação. Ele
não foi feito para ser publicado. Eu o escrevi para minha família
e meus amigos, que se interessavam por nossa vida. Nele estão incluídos
muitos detalhes pessoais e insignificantes, porque trata da vida comum de uma
mulher comum na Hungria durante os anos 1944-49. Baseado nas anotações
de meu diário, não alterei seu conteúdo quando decidi vertê-lo
para o inglês, a fim de tentar publicá-lo.
A
ideia me veio durante os dias em que durou a heroica Revolução Húngara,
de outubro a novembro de 1956. Eu ficava sentada em nosso quarto no interior do
Brasil, desolada por não poder oferecer a menor ajuda a meu país,
a Hungria. Nem mesmo tinha meios de enviar alimentos a meus parentes e amigos,
que tanto precisavam deles.
Na
minha impotência, escrevi cartas (para o presidente dos Estados Unidos e
para os políticos do Ocidente que haviam lutado por nossa causa), embora
soubesse que o fazia em vão. Quem escutaria a voz de uma mulher sem influência,
uma simples refugiada?
No
entanto, o mundo inteiro poderia estar hoje mudado, caso as nações
do Ocidente houvessem agido com mais coragem e visão. Quem sabe os países
satélites da União Soviética ter-se-iam libertado, um por
um, se a Hungria houvesse obtido o socorro que pediu.
Enquanto
o tempo passava e nem um único passo era dado para lhe prestar esse socorro,
enquanto meus compatriotas lutavam até a última bala e jovens sacrificavam
suas vidas pela liberdade da Hungria, pensei que eu também devia dar minha
contribuição, embora muito pequena e modesta: mostrar àqueles
que haviam tido a sorte de nascer no lado luminoso do mundo por que razão
a juventude da Hungria estava derramando seu sangue.
Existem
muitas pessoas que não têm a menor ideia de como é a vida
por trás da Cortina de Ferro, ou por falta de informação,
ou porque é mais fácil pensar: As notícias de lá
são exageradas. Mas não são.
Conto
aqui minhas experiências e, se o leitor tiver a paciência de ler estas
páginas, ainda que nelas não encontre literatura apenas fatos
, que julgue por si. Caso eu consiga convencer uma única pessoa
repito: uma única do que realmente é a vida sob o regime
comunista, saberei que o trabalho de escrever e de reviver todas essas dolorosas
lembranças não foi inútil. Terei alcançado minha meta
e esta será minha recompensa.
Como já disse, este livro, que se baseia num diário, não tem valor literário nem contém algo de particular interesse, salvo isto: cada palavra escrita em suas páginas traduz a verdade, apenas a verdade. Nelas, nem mesmo existe exagero, porque, para mim, nada na vida é mais desprezível do que uma mentira. Quem me conhece sabe que sou assim.
Maria
Dobozy
Fazenda Cocais, Santa Cruz do Rio Pardo (SP), 1960